segunda-feira, 20 de abril de 2015

O que a emoção nos esconde

Por Renan Castro*
renanc.aguiar@gmail.com - @renan_ca

Renan, herói alvinegro na cobrança de pênaltis contra o Fluminense
Todo mundo quer ver seu time campeão. Aquele papo de que o campeonato carioca não vale nada normalmente dura só até o juiz autorizar o início da partida e acontecer o primeiro lance perigoso. Hoje, Vasco e Botafogo comemoram merecidamente suas vagas na final após duas semifinais repletas de polêmicas na arbitragem e nos bastidores, como a mudança do local da segunda partida da semifinal entre Botafogo e Fluminense e erros para os dois lados nos dois jogos entre Fla e Vasco.
Nas últimas semanas, comentaristas esportivos, principalmente na TV, enalteceram a disputa emocionante da última rodada do campeonato carioca, a despeito do que se projetava antes do certame se iniciar. A boa performance de alguns times menores também deu fôlego a esse lado da análise. Naturalmente, por trás desses elogios à disputa do campeonato (quase sempre vindos das emissoras que o transmitem) há um interesse em promover o produto e consequentemente aumentar a expectativa dos torcedores/espectadores e a audiência.
No entanto, de cabeça fria, algumas horas após o fim de uma partida eletrizante, como foram as da última rodada da fase de classificação deste ano, é possível parar e pensar melhor sobre o que o êxtase do gol no último minuto ou do título conquistado, pode camuflar: Um campeonato muito fraco tecnicamente e mal organizado.

Ao se olhar com mais atenção, percebe-se que a disputa acirrada por uma vaga nas semifinais não se deu pela alta qualidade do futebol jogado ou pelo protagonismo de grandes jogadores, e sim pela irregularidade dos grandes, causada por sua própria falta de planejamento. Junte a isso a já citada melhora dos pequenos como Madureira, Macaé e Volta Redonda, e é fácil extrair jogos emocionantes e disputas diretas por vaga, o que acaba sendo equivocadamente exaltado como um mérito do campeonato, quando na verdade parece mais um mero acidente.

O Botafogo, campeão da Taça Guanabara e time mais “regular” desta fase, que não saiu do g-4 em nenhum momento, por exemplo, mostrou inúmeras fragilidades durante o campeonato, especialmente nos clássicos. Contra o Flamengo, a vitória veio em um lance de pura sorte combinado com a incompetência do Flamengo em converter em gols as inúmeras chances criadas. Contra o Fluminense uma derrota categórica, e contra o Vasco um empate. Ou seja, não houve superioridade inquestionável. Assim como o Flamengo, o time de melhor elenco do campeonato, que ainda derrapa em suas carências do elenco, às vezes no próprio preciosismo, às vezes no excesso de confiança dentro de uma partida.
O Vasco, time com elenco ainda em formação, também não tem craques ou um esquema de jogo que inspire confiança em sua torcida. Mesmo com uma defesa aparentemente sólida, tomou cinco gols do Friburguense, teve tropeços bobos e muitos pênaltis salvadores marcados nos finais de algumas partidas que acabaram sendo decisivos para a conquista da classificação, que só veio na última rodada. O Fluminense, talvez o menos constante dos quatro, só conseguiu sua classificação na bacia das almas, no confronto direto com o Madureira, emoção que foi fruto da própria incompetência da equipe ao longo da fase de classificação. O time de Fred perdeu para Volta Redonda e Macaé e tropeçou contra o Tigres. Ou seja, não houve, definitivamente, um time que desse gosto de ver (exceção feita a algumas belas partidas do Madureira), e partidas que tenham enchido os olhos dos torcedores, que justificassem tal empolgação.

Um grande campeonato?

Rodrigo Pinho destaque do Madureira
Em meio à disputa de bastidores encampada pela dupla Fla-Flu contra a FFERJ por conta de questões como preço de ingressos, punições disciplinares descabidas, arbitragens ruins, entre outros motivos, pouca coisa mudou em relação aos outros anos. Pode-se dizer, inclusive, que piorou. Não por conta da melhora da performance dos pequenos, por que isso seria um aspecto positivo a se destacar, se acontecesse sem que o lado mais poderoso diminuísse  muito o nível, como aconteceu.
É compreensível o otimismo ao se comparar 2015 com o marasmo da disputa nos anos anteriores, com domínio amplo dos grandes e poucas chances dos pequenos chegarem nas fases decisivas. O formato de pontos corridos adotado no ano passado deveria dificultar ainda mais para os pequenos, mas a já descrita irregularidade técnica dos times de maior investimento pesou e deu essa emoção enganosa no final.

É urgente uma mudança no formato de disputa dos estaduais, e essa discussão não é nova. Muitos pequenos ficarão quase o restante todo do ano sem jogos, e consequentemente, sem atividade financeira para se sustentar. Pensar num modelo melhor e mais rentável para os pequenos e menos cansativo para os grandes não é algo muito difícil, mas uma ação nesse sentido deve vir acompanhada de mudanças estruturais no futebol brasileiro e de uma união entre os clubes, o que atualmente parece longe de acontecer.

*Jornalista formado, cientista social desquitado, tricolor, amante de música, futebol, praia, boteco, samba e outros bons clichês cariocas. 

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