sexta-feira, 4 de julho de 2014

Uma crônica ao estilo Nelson Rodrigues no dia em que Neymar saiu da Copa classificado

Hoje foi uma sexta-feira com duas rodadas de futebol (Alemanha 1x0 França e Brasil 2x1 Colômbia), para os brasileiros nem houve tanto sofrimento dentro de campo como havia sido contra o Chile com direito a decisão da vaga para as quartas de final via penalidades máximas. Mas o fardo para os torcedores da seleção brasileira e por quê não, aos que admiram o futebol também, certamente foi a saída do Neymar do campo, de uma forma tão grave.

Devido a uma lesão na vértebra depois da entrada violenta do colombiano Zuñiga. Assim, confirmou-se mais uma sofrida ironia da vida: Neymar mesmo classificado para as semifinal do Mundial e sendo o melhor jogador de sua seleção, estava eliminado.
 

Assim não tardou para os torcedores se manifestarem pelas redes sociais, mensagens de pesar, solidariedade ao atacante brasileiro e ódio ao colombiano. Além de notícias, fotos, replays e etc. Nas ruas também pude presenciar as pessoas curtindo a vitória e aos poucos a notícia da saída do Neymar vinha como água no chope, claro que a festa não parou mas o clima de apreensão e comentários pessimistas e outros otimistas, como que o time irá jogar pelo Neymar, assim como os uruguaios tinham essa crença após sua exclusão da competição por aquela famosa "mordiscada" e por assim, foi e continua sendo a noite. Neymar, Neymar e Neymar e do jogo em si, pouco comentam. 

Quando voltava para casa vi através do meu celular uma crônica do Rodrigo Santos no Facebook ao estilo Nelson Rodrigues em seus velhos tempos com suas crônicas de futebol (que ajudou muito a intensificar o futebol como esporte número um do país além de reforçar ainda mais o imaginário de que a seleção brasileira era a "pátria de chuteiras" mas isso é uma outra história), já a crônica do Rodrigo, além de descrever a partida e ser uma das exceções de minha linha do tempo que não comentava sobre o fatídico ocorrido com o Neymar, mostrou o futebol mesmo que moderno por um viés romântico como de outrora. Enfim, faço questão de compartilhar com vocês. Segue a crônica abaixo.

Como Nelson Rodrigues, assim imaginei o Rodrigo Santos quando o li.
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APENAS ESPORTE NÃO DEFINE BRASIL 2 X 1 COLÔMBIA, 4/7/2014.

Esqueça tudo o que você sabe sobre esporte. Esqueça inclusive das aulas de biologia onde o professor discorria sobre a permanência do mais capaz. Futebol não é isso. Esqueça o boxe, onde uma junta de notáveis decide o vencedor por pontos. Esqueça a ginástica, onde os competidores são todos deuses, e a vitória se dá por um erro milimétrico do adversário. Vôlei, basquete, natação, nada disso. Futebol não tem nada a ver com seus pares, e por isso mesmo é o mais apaixonante, chegando a ser mais do que uma simples disputa de exibição atlética. Futebol é o único esporte onde o vira-latas pode ser rei. Você pode jogar melhor durante o jogo todo, e ver cair por terra o triunfo devido a um infortúnio – ou pela fortuna do adversário. Você pode carregar títulos inefáveis, jogadores de alta performance, e ver brilhar à sua frente um desconhecido em noite de gala. Na hora em que o apito inicial se faz ecoar pelo estádio, todas as variáveis pesam na equação, e o resultado final sempre serão as lágrimas – de alegria ou de tristeza, de decepção ou de superação. Entramos em campo hoje com um time desacreditado, carregando em seus ombros a exposição midiática de suas fraquezas. “Um time de maricas!” – exclamavam alguns, impressionados pela torrente de lágrimas derramadas pelo escrete. Chora quando entra em campo, chora quando canta o hino, chora quando faz gol, chora até pra dar entrevista. Fraquezas? Todos temos, mas o simulacro bélico que é uma partida de futebol as superlativa de forma ridícula e intolerante. Não queríamos guerreiros chorões, queríamos sangue nos olhos e dentes cerrados (desculpa, Suarez, você não). E os guerreiros sentiram. A melhor forma de se extrair a essência é destangerinando a aparência, e aqueles que aparentavam meninos chorões viram a puberdade em poucos dias. Do outro lado, um time que pela primeira vez levava seu país tão distante em uma eliminatória, uma seleção que não havia perdido nenhum jogo nesta competição e que, além de sua alegria dançante, trazia um dos craques deste julho: o jovem James Rodríguez, de apenas 22 anos, que encantava o mundo com um repertório variado de gols que o alçaram à artilharia do maior torneiro de futebol do mundo. Um time que vinha povoando as resenhas, uma Colômbia a fim de escrever uma nova história. A bola foi tocada no círculo central, e um escrete diferente dos jogos anteriores vestia a sagrada amarelinha. Pressionando, lutando, atingindo com tenacidade o adversário. Nosso capitão imberbe – o mais exposto naqueles tempos pré-colombianos – tratou de abrir o placar nos minutos iniciais, e deu o recado. Aqui era o Brasil, e ninguém nos trataria como vira-latas em nosso próprio quintal. O time da Colômbia lutava, mas esbarrava na vontade e na sanha de apagar as lágrimas derramadas no prelo. O primeiro tempo terminou com a vantagem brasileira – mas ela era mínima, e como todo aficionado em futebol conhece, não era suficiente. Não nesse esporte. 

O segundo tempo se iniciava, e a Colômbia se agigantava. Sofremos (desde o início da Copa, talvez) a ausência de nosso centroavante. Parecia que por sua cabeça – principal arma – passavam outras coisas que não a bola ou o jogo (caipisakês?) Paulinho mais uma vez consagrava seu parceiro de contenção (desta vez o incansável Fernandinho) sendo displicente e moroso, visivelmente fora de forma. Não fossem nossos laterais, teríamos sucumbido. Maycon e Marcelo jogaram como ainda não haviam, enchendo os olhos e as alamedas periféricas para a alegria de todos (provavelmente não a de Dani Alves). Mas o futebol é outro tipo de esporte, quase uma guerra, e os heróis se forjam no calor da batalha. Falta na intermediária adversária, e nosso Juggernaut de cabelos de lã, dono absoluto da zaga, pediu para bater e avisou ao Hulk: “Essa é minha”. David Luiz então partiu, e disparou contra a bola um três dedos que só podia ter um endereço. O excelente goleiro colombiano Ospina, que havia brilhado no primeiro tempo com defesas improváveis, ainda raspou seus dedos nela, mas a encomenda foi entregue à rede: Brasil dois a zero. Esqueça então o resto; um véu se derriba sobre o olhar do fanático, e nada mais importou. Esqueça o pênalti cobrado com perfeição pelo menino craque James Rodríguez, a desleal joelhada no nosso menino craque, as mexidas erradas de nosso técnico que matou qualquer possibilidade de jogada para o Brasil: até o apito final, um suspiro se concentrava e crescia na garganta, o suspiro de alívio só liberto aos 50 minutos, quando o fraco juiz decretou o fim da batalha. No lugar do choro, sorrisos e abraços. Nossos garotos haviam virado homens. No outro campo, o fim de uma utopia se estampava cruelmente nos semblantes dos adversários. O menino James, artilheiro da Copa e craque inopinado, tinha o rosto desfigurado por um choro que eram mais do que lágrimas, ao ser ver impedido de levar adiante o sonho de cada menino de seu país, o de chegar ao topo do mundo pela primeira vez. 

Outro menino gigante, o nosso David Luiz, percebeu seu desespero e provavelmente se viu ali, pois estaria no mesmo sofrimento se não tivesse acertado aquele chute miraculoso. Abraçou a jovem promessa colombiana, certificou-se de mostrar ao pequeno James o seu valor, a sua vitória, e o levou até a torcida brasileira que, merecidamente, os aplaudiu. 

James Rodríguez sendo consolado por David Luiz em pleno Castelão. Foto: Efe - Jornal Estadão/SP - 04/07/2014
Outros atletas brasileiros se aproximaram, mas foi David Luiz, o melhor jogador da Copa, que conduziu a apoteose merecida ao jovem James Rodriguez, que volta agora pra casa como um titã. O futebol não é nada do que você conhece, e é isso tudo. A solidariedade de nosso gigante de cabelos de lã com o menino James tornou mais doce a nossa vitória. Obrigado, garotos. O choro agora é nosso. 

Rodrigo Santos é pai do Miguel, marido de Maria Isabel, flamenguista, professor, corredor de rua e escritor.

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